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NOVO!
"Um Outro Olhar"
Comunicar a três línguas
A gestão familiar do Multilinguismo
Com Sofia Vieira, autora
do blogue "Pais com P Grande"
Em jeito de introdução, sobretudo para aqueles que ainda não conhecem o vosso blogue "Pais com P Grande", como apresentarias a vossa família?
Somos uma família luso-francesa a viver no Reino Unido e com uma sede enorme de desbravar mundo. O nosso blog, Pais com P Grande, começou há um ano atrás, quando decidimos largar as nossas vidas aqui, para irmos viver uma grande aventura em Portugal. Comprámos uma carripana, adoptámos um cão, e vivemos na nossa carrinha durante 4 meses, enquanto viajámos por Portugal.
Como surgiu a decisão de educar a Gabriela e o Tiago com três línguas (português, francês e inglês)? Teve direito a muitas discussões sobre qual seria a língua mais utilizada por eles?
Quando fiquei grávida da Gabriela, tinha acabado de enviar uma proposta para a Brunel University, nos arredores de Londres, para começar um doutoramento sobre a influência do multilinguismo no desenvolvimento cognitivo durante a infância. Foi sempre um tema que me fascinou muito, mais ainda quando a Gabriela nasceu e que percebi que também os meus filhos teriam de não só aprender as diferentes línguas que falamos em casa, mas também absorver as diferentes culturas dos pais. Não houve qualquer discussão sobre como iríamos introduzir as línguas. Para nós foi natural falarmos como os nossos filhos, as nossas línguas, desde o momento em que eles estavam na minha barriga. Sempre soubemos que a língua mais utilizada seria o Inglês porque é a língua do país em que vivem neste momento. Mas as primeiras palavras dos dois foram em Português :)
Foi difícil estimular duas crianças a falar, com a preocupação de terem de usar três línguas a pesar na equação?
Foi natural, apenas isso. Não é difícil mas gera sempre muita curiosidade para quem está de fora. E no início notámos que muita gente, incluíndo profissionais de saúde e educação, não compreendem que falar tantas línguas é uma mais valia. Mas fomos sempre indiferentes a essas opiniões. Como o Quentin trabalha fora, o Francês foi sempre a língua menos falada, pelo que os miúdos frequentam uma escola de Francês aos sábados e tem sido bastante positivo em dar-lhes a confiança que eles precisavam.
É comum que a aquisição simultânea de várias línguas cause atrasos no desenvolvimento da Linguagem. Foi o que aconteceu no vosso caso?
Sem dúvida! A Gabriela só começou a "alinhar" as palavras por língua depois dos 3 anos. O Tiago tem quase 3 anos e ainda não chegou a essa fase. Nos primeiros 3 anos notámos que ambos usam muito vocabulário de cada uma das línguas, mas numa só frase. Por exemplo, o Tiago ainda agora me disse "Mãe, Tiago boire water." Por outro lado, e porque eles têm a noção de que as pessoas não os compreendem, são crianças muito criativas em tentarem explicar-se, usando a expressão corporal e a repetição de palavras até que os outros os entendam. A Gabriela passou por uma fase em que gaguejava muito sempre que falava Francês. Mas também isso passou com a motivação para aprender mais, com o aumento da auto-confiança, e com o facto de que ela começou a frequentar uma escola de Francês onde conheceu muitas crianças que também falam várias línguas em casa.
De que forma fazem a gestão das três línguas em casa e nos outros contextos? Cada um fala a sua língua, há uma única língua para a família e outra para o exterior...?
Falamos as três línguas a toda a hora, em casa e lá fora. O pai fala com eles em Francês, lê para eles em Francês, canta com eles em Francês.
Eu faço isso tudo na minha língua. A Gabriela começou a aprender a ler e a escrever em Português, pelo que neste momento, que estamos a aprender em Inglês, se torna um bocadinho mais difícil, mas nada que ela não ultrapasse. E no fim, falamos uns com os outros em Inglês. Como eu entendo Francês e o Quentin Português, às vezes falamos um dialecto que é só nosso. É estranho para quem está de fora, mas totalmente natural para nós.
Conhecem outras famílias multilingues, na vossa comunidade?
Sim, bastantes. A Gabriela frequenta uma escola Francesa aos sábados. Nessa escola só existem alunos que têm pelo menos um dos pais com a língua francesa como língua mãe. A Gabriela fez muitos amigos lá, muito rapidamente, e isso ajudou-a bastante a ganhar confiança para explorar mais a língua do pai. Não conhecemos muitos Portugueses aqui, mas a Gabriela nunca perde a oportunidade de "exibir" o seu lado lusitano quando entra num café e ouve alguém a falar Português... mesmo que seja do Brasil! :) Os nossos amigos mais próximos, que são a nossa família aqui, são do Peru e falam espanhol com os miúdos desde que eles nasceram. É engraçado porque sempre que nos juntamos todos, os miúdos passam de uma língua para a outra sem tão pouco se aperceberem. Houve uma altura em que a Gabriela pensava que espanhol e português eram a mesma língua, sendo que a "Tia Gigi" apenas falava a língua com "uma voz diferente".
A Gabriela já deve ter noção de que não é exatamente igual às outras crianças em relação à Linguagem. Como é que ela lida com isso, nas suas relações de amizade?
Acho que tem sido uma mais valia enorme! Sempre que viajamos, a Gabriela faz um esforço enorme para comunicar com as outras crianças. Ela é fascinada por línguas e passa a vida a dizer que quer aprender polaco, chinês e alemão :) Lembro-me de uma vez, numa praia no Algarve, a Gabriela ter conhecido uma menina americana. A miúda perguntou-lhe "tu falas inglês como na Inglaterra, tu és de lá?" E ela respondeu "mais ou menos, eu sou de muitos países". :)
Quais consideras que sejam as melhores e piores consequências da educação multilingue que os teus dois filhos têm?
A melhor é sem dúvida a abertura que eles têm desde sempre para novas línguas e novas culturas. Eles são uma mistura de culturas, não só a minha e a do pai, mas também a dos países por onde passamos e das pessoas que fazem parte da vida deles. Isso fá-los, de alguma forma, crianças especiais. A pior é talvez a paciência e resiliência que requer, sobretudo quando nos dias de hoje toda a gente gosta de opinar sobre as decisões que fazemos para os nossos filhos.
A educação no Reino Unido é muito diferente da que é dada em Portugal ou partilham os mesmos valores?
Extremamente diferente. No entanto eu não acredito que lhes damos uma educação baseada nos valores de um país mas sim nas experiências de vida que temos tido, pelos vários lugares do mundo que passámos. Em todos os países há coisas boas e coisas más, nós temos a sorte de poder aproveitar o que há de bom em cada lugar, e imprimir esses valores em casa com eles.
De onde surgiu a ideia de darem aulas em casa?
O ensino doméstico entrou-nos pela vida adentro porque eu sempre fui apaixonada pela área do desenvolvimento infantil, e sempre fui, para além de mãe, a educadora em casa. Quando chegou a altura da Gabriela entrar no ensino formal aqui no Reino Unido, em Setembro de 2014, eu consegui convencer o pai (que a princípio não concordava muito com a ideia), de a pormos em regime de ensino doméstico e irmos viajar em Portugal com ela. Essa era uma "lição" muito importante que eu queria ensinar à minha filha: a história do meu país, a minha cultura, as minhas tradições e a minha gente. O Português da Gabriela desenvolveu de uma forma absurda, sendo que hoje ela até usa expressões que eu nunca lhe ensinei :) Por enquanto ela continuará em ensino doméstico, mas temos planos de ela frequentar a escola quando encontrarmos o lugar certo. Se ficarmos no País de Gales, que é bem provável, ela irá aprender Galês na escola. Uma quinta língua aos 6 anos de idade!
Como escolhes o tema de cada aula e onde te inspiras para criar atividades?
Todos os dias trabalhamos um bocadinho a escrita, a leitura e a matemática durante as manhãs, e durante as tardes trabalhamos em projectos para os quais a Gabriela escolhe os temas. Estivemos a trabalhar no "sistema solar" durante duas semanas, e esta semana vamos trabalhar no tema do Peru e a civilização Inca- com direito a visita de estudo! :) Temos uma rotina flexível e somos criativos na forma como aprendemos, usando muito a natureza como sala de aula, e recorrendo à expressão plástica, à música, à dança, etc. Não sigo um método educacional, mas combino vários, desde Waldorf ao Reggio Emilia.
Que conselho darias às famílias que nos leem e que estejam a pensar em iniciar uma educação multilingue?
Cada família é diferente e tem de encontrar a sua forma de crescer enquanto família "diferente". Para nós a paciência e a perserverança foram nossas aliadas, sobretudo quando ouvíamos de outros pais perguntas do tipo "ele tem um problema na fala?" porque não conseguiam compreender os nossos filhos. Os pais têm de se sentir seguros e orgulhosos da sua identidade cultural e linguística para poderem passá-la para os filhos. O resto vem naturalmente.